28.3.11

Homens em calções

Antes de o jogo de futebol ter chegado ao fim, o jogador com número onze nas costas, da equipa com camisola verde, calções pretos e meias brancas, pediu uma garrafa de água ao massagista, o massagista procurou ao lado do saco dos remédios no cesto das bebidas a mais cheia de todas, atirou-a para a frente, para as mãos do avançado que já vinha a correr e que estava a chegar já perto da linha lateral. Obrigado. Bebeu e pediu ao treinador para sair. Faltavam vinte minutos para o fim do jogo.

Não queria uma camisola suada colada nas costas, colada no peito, fria quando há fases menos movimentadas em campo. Não queria isso. Queria vestir roupa diferente de todas as pessoas que estavam por perto. Não tinha vontade de partilhar uma bola nem de andar para trás e para frente em grupo. Queria chegar, ficar sentado, fechar a porta.

Queres o quê? Quero sair. Estás cansado? Não. Estou farto.
Houve no ar, durante um minuto, o lado perturbador do silêncio, mas depois desse minuto, havia no ar uma placa electrónica com o número 11 assinalado pela junção de pontos vermelhos, ao lado do número 17 com pontos todos os verdes. Eram as cores na placa, o silêncio no ar e o barulho de pés rápidos e breves na relva a entrar em campo e o peso de pés lentos ao abandonar o jogo, a equipa, o futebol, a vida em grupo.

Em vez do balneário, preferia estar no quarto. Ou na sala. Onde tivesse de ser, desde de que fosse em sua casa e desde de que não fosse ali. Não queira o banho daquela água e já não sabia se estava a ouvir aquele som que vinha do campo e se aquele som que o golo tem quando sai da bocas de um grupo de pessoas era real ou se já eram palavras que inventava em cima de um papel, escondido das bancadas.

Tirou a camisola para a guardar num saco de plástico. Os calções e as meias ficaram no chão, em cima das chuteiras. Bebeu mais água, bebeu da torneira, rodou para fechar. Levantou a cara e olhou para o espelho. Estava embaciado. Antes assim. O que estava a ir embora passava então por ser o vulto de um homem anónimo.

Em casa trocou os pés pelas mãos. Escreveu as voltas que a vida dá para dizer as voltas que a vida deu. Disse o nome e disse a idade. Disse o sexo. Disse que tinha abandonado o futebol de uma vez por todas porque gostava mais de livros do que de balizas. Estava mais inclinado para as frases; as jogadas já não. Era um homem diferente, escreveu, contando onde estava quando decidiu trocar uma coisa pela outra, escrevendo que o jogo ainda não tinha chegado ao fim quando o jogador com o número 11 nas costas, da equipa com camisola verde, os calções pretos e as meias brancas, pediu água ao massagista e disse ao treinador que ia embora. Estava outra vez em campo. Riscou com mais força no papel com a caneta na mão direita, dominou a bola com o pé esquerdo, fintou, fintou dois e fintou três. O quarto desviou-o com o corpo. Chutou com força e foi golo. Tinha uma escrita previsível e um futebol virtual.

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