16.3.11

Os caminhantes

Moscovo - Em contraponto vertical aos profissionais sentados, encontram-se de igual forma em número assinalável, homens e mulheres, amadores em pé, com um livro na mão. Amadores no sentido de amantes, pessoas que gostam sem saber como, sem perguntar porquê. Uma das actividades observável num russo enquanto caminha é a capacidade de continuar a andar com um livro aberto por uma mão, colocado por essa mão em frente aos dois olhos, continuando a caminhar no mesmo passo de quando os olhos estão de horizonte desimpedido. Com os livros em frente seguem o caminho e ao seguirem estão a fazer ensaios sobre a cegueira, embora aquilo não seja um ensaio, seja a realidade a acontecer, seja o rapaz de casaco militar e pernas finas a ser levado pelos outros sentidos para escadas rolantes do metro como se aquele seu corpo fosse um tronco perdido à mercê da natureza nas cataratas de Niagara. E aqui vem ele, com o cabelo riscado ao lado, aqui vem ele a descer nesta escadaria a pique, enquanto eu subo e os dois neste cruzamentos somos duas diagonais que nunca se vão tocar, mas que tocam. Porque ele ao ir à sua vida está a ir e ao mesmo tempo a ficar na minha, está a entrar nestas linhas, a ficar guardado para sempre na minha memória. Agora é a vez de uma rapariga loira escutar o sinal verde para peões e passar por nós que estávamos parados a encarar a mudança de cor do sinal e a ganhar vantagem porque só agora estamos a arrancar. Tem uma gabardine cinzenta amarrada por um cinto cinzento e deixa-se seguir no trote de um par de botas cinzentas. Leva um livro em frente ao rosto. Desconheço o conteúdo, desconheço o autor, desconheço até a língua e desconheço o título. Não sabendo uma vírgula dessa história, sei o suficiente para dizer que em todas aquelas páginas há a magia que lhe permite caminhar de olhos fechados.

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