18.7.11

Os quadros brancos do mundo inteiro

Em comum aos dias 5, 7 e 15 havia uma linha onde o texto tinha começado e uma linha de onde o texto não tinha saído. O mês de Julho estava a construir um caderno mudo. Em cada um dos três dias, o teclado deu passos inseguros, respostas vagas para o caminho a tomar, o teclado recuou com os dedos e apagou todos os começos de frase e deixou a página em branco, como ela estava no início, como ela se apresentava no fim,  um prato limpo, sem carne nem peixe nem gordura nem massa nem folhas de alface nem cebola, um grão de arroz que fosse, em matéria de prova, a evidência de ter existido alimento (as ideias) mas de não ter havido fome (as palavras).

O dia 5. O dia 5 tinha um título e pouco de mais de um título. Plácido domingo, entitulava-se o dia 5. Era para ter sido uma breve história a contar as nove horas da manhã de um domingo deserto no Porto, deserto esverdeado por uma miragem de um homem a correr sozinho na descida da Boavista para o parque da cidade. Depois, uma hora mais tarde, o mesmo homem subia a mesma avenida, o mesmo deserto e passava dessa vez a caminhar. Tinha suor no rosto no peito e nas costas, uma camisola azul de alças, uns calções azuis, o jornal A Bola na mão direita, dobrado, e ele a ler a última página enquanto caminhava e trazia na mão esquerda um saco de papel castanho que talvez fosse o saco do pão. A seguir ao almoço, quando os carros e as pessoas tinham acabado com o deserto do Porto, o mesmo homem voltou a descer a avenida, calçava umas sapatilhas diferentes,  o braço onde tinha o jornal abraçava agora o ombro direito de uma senhora vestida com um fato de treino branco. Já não vi o Jorge Plácido desde o tempo em que ele subia e descia os campos de futebol naquela caminho tantas vezes deserto entre as balizas. Daí o Plácido do domingo, nada a ver com o tenor, mas sim com a paz de um casal que deve estar a escolher uma mesa recatada e a pedir dois cafés.

O dia 7. O dia 7 fugiu. Confesso que não me lembro. Continha um episódio urbano, atropelado por uma fragilidade criativa gigante. Deixou de existir.

O dia 15. O dia 15 acordou a fazer perguntas sobre os quadros brancos do mundo inteiro. Focando até ficar nítido: entenda-se por quadros brancos as histórias que um dia, por que motivo, não tiveram a vez de serem contadas. Pelo contador avaro, pelo contador seco, desligado, espremido, adiado, dormente, branco.
O museu da páginas vazias fechou por tempo indeterminado

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