24.5.11

Vivo

O último dia acabou às dez horas da noite e catorze minutos e vinte e oito segundos, num rectângulo constituído por uma tábua em madeira de cerejeira, colada a uma esponja amarela sem marca nem referência em particular, era esponja, cobertas as duas por recurso a um material sintético de cor preta, aproximado da napa em termos de aspecto, mas podendo não o ser, pela inaptidão em determinar peles e copiados, estando a napa, vamos dar-lhe seja como for essa designação, agarrada à parte inferior da tábua com agrafos da dimensão de quinze milímetros, acobreados,  havendo três desaparecido com o tempo e com o uso, enquanto que os resistentes permaneceram cravados, em linha recta, sensivelmente à distância de um palmo de uma mão adulta e de homem, e cuja totalidade deles deixava ver, de forma evidente, partes de ferrugem, não tendo deixado de cumprir, por via desse desgaste natural, o efeito de esticar a pele e de prender a esponja à tábua, vivendo as três partes, presas por arames interrompidos, uma vida inseparável. Havia dias em que alguém morria deitado de costas para esta maca. Hoje foi um desses dias. 

3.5.11

Jogada de laboratório

Encerrou a entrada de uma divisão à qual todos chamavam sótão e ao fechar o alçapão, antes de o fazer, pendurou uma tira de papel do tamanho de uma matrícula de um automóvel, e nessa placa escreveu laboratório, palavra que às vezes estava bem de ler, mas que muito depressa deixava de estar, bastava vir alguém do lado contrário da sala. Laboratório era então o que dizia o tecto da sala, com o homem fechado na parte de cima.
Demorou uma hora, duas horas, três horas. Demorou um dia, dois dias três dias. Tinha acabado de inventar uma espécie de vegetação verde com três centímetros de comprimento e três milímetros de largura. Chamou-lhe relva e produziu-a em quantidades. Inventou-a para ser lançada à terra e para ficar cravada no chão. Era verde. E muito mais consistente do que o projecto inicial, ao qual tinha atribuído o nome experimental de semente.
Encontrou à porta de casa uma lata de tinta branca. Sentou as nádegas em cima. Foi buscar uma trincha e começou a desenhar linhas rectas. Quando acabou a pintura tinha desenhado um rectângulo. Não serviu para o deixar satisfeito. Partiu o rectângulo em dois quadrados com um risco ao meio. Fico contente, andou à roda, desenhou um círculo e sentou-se no meio, a contemplar a obra inacabada. Pensou em desenhar dois rectângulos pequenos em cada uma das extremidades do rectângulo gigante inicial. E desenhou.  Fez mais dois a seguir aos pequenos para que os pequenos não ficassem sós. Em cada um desses lados ficou sentado a pensar e nesses locais ficaram dois pontos, duas marcas do fundo do mesmo balde. Ao anoitecer decidiu fazer duas meias luas. Fez.
E quando amanhã já era o outro dia, acordou a sonhar com outros objectivos. Rectângulos de ferro e em pé. Fez dois. Um para cada lado. No fim continuava descontente e chegou à conclusão que os dois últimos rectângulos poderiam ser confundidos com portas e podia vir gente e entrar. Fechou os dois com redes. Ao fechar os ferros, ocorreu-lhe a ideia de mandar fechar o ar. Pegou numa linha, numa agulha, desfez o couro do casaco em bocados. Descobriu que o ar cosido tinha um ar arredondado. Chamou-lhe bola porque lhe tinha dado a fome e aquela coisa nova tinha forma de pão, com boa vontade.
Inventou o futebol. Achou-se o melhor do mundo.

Bob Dylan

Aquele bendito instrumento musical, a máquina de escrever, e os seus botões de onanizar tímpanos, as teclas, corpos fora do corpo,...